quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Veja quais são os efeitos internacionais do 'experimento' uruguaio com maconha

Vizinhos olham liberação como iniciativa 'unilateral'. Líder da Guatemala tentou iniciar discussão, mas não teve apoio

Projeto foi aprovado após 11 horas de discussão no Senado, após ter passado pela Câmara 

As cinco plantas de maconha das quais Cristian cuida com esmero e dedicação em sua ferraria nos arredores de Montevidéu fazem, a partir de agora, parte de um experimento de alcance internacional que representa a maior mudança das políticas antidroga na América Latina.

Na terça-feira, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo em que o mercado da maconha passa para as mãos do Estado, depois que o Senado aprovou a lei que regulariza o cultivo, distribuição, venda e consumo da droga.

A medida é importante para Cristian, que deixará de esconder seus pés de maconha da polícia e passará a se submeter à supervisão das autoridades do novo Instituto de Regulação e Controle da Canabis, organismo que garantirá que suas plantas estejam registradas e que sua colheita não ultrapasse os 480 gramas anuais.
Mas ela pode ser mais importante ainda para o resto do continente, onde o presidente José "Pepe" Mujica conseguiu pôr em marcha um "experimento sociopolítico" para legalizar a maconha e ensaiar novas maneiras de combater o narcotráfico.
Aprendizagem coletiva
"Espero que (os outros países) nos deem uma mão e que aprendamos mutuamente", disse Mujica, de 78 anos, ao argumentar os benefícios de seu plano e o impacto que pode ter no resto da comunidade internacional, onde a droga continua sendo uma inimiga. "Que nos seja permitido adotar um experimento sociopolítico frente a um problema tão grave como é o narcotráfico", afirmou o presidente.

Quando Mujica sancionar a lei aprovada pelo Congresso, terá início um período de 120 dias em que as autoridades terão de publicar os primeiros regulamentos com os detalhes do processo de regulamentação. Talvez em um ano, os amantes da maconha poderão fazer como Cristian, o ferreiro, e colher suas primeiras plantas de maneira legal.
Desde os anos 70, fumar maconha era legal no Uruguai, incluindo nos espaços públicos, mas o cultivo e compra, não. E apesar de ter menos de 3,5 milhões de habitantes, o negócio movimenta cerca de US$ 30 milhões por ano.
Implicações internacionais
"Não estamos dizendo aos outros países que esta é a política que eles têm de adotar e damos a garantia de que a maconha que deve ser produzida legalmente aqui não vai acabar no seu mercado negro. É o nosso compromisso", disse à BBC Mundo Julio Calzada, secretário-geral do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai.
Em instâncias internacionais, meios de comunicação estrangeiros e até mesmo nas Nações Unidas, o presidente Mujica argumentou que a estratégia de guerra total contra o narcotráfico patrocinado pelos Estados Unidos na América Latina desde os anos 70 falhou.
Somente no México, mais de 60 mil pessoas morreram em episódios de violência relacionados às drogas nos últimos seis anos, durante os quais o governo mexicano vinha empreendendo uma guerra frontal contra os cartéis.
Na Colômbia, a discussão sobre as drogas é um assunto sensível nas negociações de entre a guerrilha e o governo. A voz de Mujica não é solitária. Cada vez mais surgem figuras latino-americanos favoráveis à legalização da maconha, mas ele é um dos poucos a fazê-lo no poder.
Outros esperaram deixar seus cargos públicos, como o mexicano Vicente Fox, o brasileiro Fernando Henrique Cardoso e chileno Ricardo Lagos, que após saírem da presidência de seus países e terem promovido durante seus mandatos a linha dura contra as drogas, agora defendem liberalização da maconha e outras drogas com "impacto menor".
Mas "todos são ex", como lembrou em conversa com a BBC Mundo Julio Calzada. "O único presidente em exercício que abordou a questão de frente sabendo dos riscos políticos envolvidos foi o presidente Mujica."
Na região, o presidente da Guatemala, Otto Pérez Molina, também lançou um debate sobre a legalização das drogas. O guatemalteco qualificou o colega uruguaio como "visionário", mas não conseguiu apoio suficiente para implantar um projeto similar em seu país.
Em outros países latino-americanos, a resposta tem sido tímida, de expectativa. Como na Argentina, onde o governo disse que vai esperar para ver os resultados da legalização no Uruguai.
Mas em outros foi negativa. O ministro das Relações Exteriores do México, Jose Antonio Meade, deixou claro que "o enfoque não pode ser unilateral" e pediu que a política de drogas seja um consenso na região.
Na vizinha Paraguai, o presidente Horacio Cartes resumiu a iniciativa uruguaia como "uma utopia". "A situação do tráfico de drogas não vai mudar com a legalização de uma droga", insiste Cartes, cujo país é o maior produtor de maconha da região.
Imagem internacional
A deputada Verónica Alonso, do Partido Nacional de Uruguai, da oposição, considera que a regularização da maconha "vai afetar negativamente" Montevidéu a nível nacional e internacional.
"Um país não deveria adotar políticas unilaterais quando se trata de um tema tão importante. Deveria, ao menos, haver um mecanismo de coordenação com países vizinhos", afirma ela à BBC Mundo.
"Com esta medida estaremos violando acordos internacionais e tratados. A ONU nos advertiu sobre isso", disse ela em referência a um comunicado emitido em agosto pela Junta Internacional de Fiscalização de Estupefecentes (JIFE), o escritório das Nações Unidas que supervisiona o cumprimento dos acordos antidrogas.
Os promotores da regularização não apenas terão que tranquilizar seus vizinhos. Dentro de casa também há ceticismo. Segundo as últimas pesquisas de opinião, a maior parte da população uruguaia continua contra a iniciativa, principalmente no interior do país.
Apesar de todo o rebuliço global, para Cristian, o ferreiro, o impacto da nova lei é mais pessoal. "Já não vou ter que ir às bocas de fumo", disse ele à BBC Mundo, sintetizando o que é a motivação principal por trás da iniciativa do presidente Mujica: secar as fontes de renda dos que traficam drogas ilegais.
Não é possível saber se outros países seguirão os passos do Uruguai, mas em uma região devastada pela violência do narcotráfico, este "experimento sociopolítico" poderia oferecer uma alternativa para combater e, quem sabe, controlar os efeitos das drogas.

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